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CASA VINCULAR Projeto de Recife restaura vidas e sonhos através de um restaurante popular voltado a pessoas em situação de rua. Maria de Fátima e Ronaldo costumavam trocar olhares enquanto almoçavam em um restaurante de Recife. Com o passar dos dias, entre um prato e outro, os dois começaram um namoro que já dura nove meses. Ele não tem casa, está em situação de rua. Ela também.

 

Embora as histórias de amor entre pessoas em situação de rua não virem roteiro de cinema ou propaganda de TV, foram os sorrisos apaixonados dos dois que apareceram nas redes sociais do Projeto Vincular, em comemoração ao dia dos namorados. O restaurante em que eles se conheceram tem como principal objetivo criar relações, vínculos profundos, entre quem precisa e quem pode ajudar. E, nesse caso, quem precisa de quem não é assim tão óbvio.

Há mais de uma década Gabriel Marquim, jornalista de 31 anos, adquiriu o hábito de sair pelas ruas de Recife ao encontro de quem mais precisa. O intuito era corresponder a um desejo de colocar em prática aquilo com que sonhava: “Desde 2007, eu e mais alguns amigos procurávamos viver o Evangelho, numa experiência profunda de Deus. Ao mesmo tempo, percebíamos que esse amor a Deus deveria se manifestar no amor às pessoas, especialmente entre os mais pobres”.

Em 2012, Gabriel voltava de uma caminhada noturna. A madrugada, de fato, é o seu horário preferido para conversar com Deus. Chegando em casa, presenciou um acontecimento que, mais tarde, mudaria os rumos da Comunidade dos Viventes, fundada por ele e os seus amigos.

Ao ver um homem tentar pular o muro, Gabriel pediu que não fizesse aquilo. O homem, arrependido, disse que entraria só para roubar algo para comer, pois estava com fome. “Fui lá dentro, peguei alguma coisa e lhe dei. Ele se foi. Porém, aquela cena não saiu mais da minha cabeça. Sentia como se Deus dissesse: ‘Será que eu precisarei invadir a sua casa para ter espaço nela’? Aquilo ficou martelando em mim durante um bom tempo”, relembrou.

A inquietação foi compartilhada com os demais membros da comunidade, que sentiram a necessidade de abrir um local para acolher quem precisa sentir-se em casa. Assim nasceu a Casa Vincular. De acordo com o site, o local já serviu mais de 6 mil refeições e atendeu quase 600 pessoas até março deste ano.

Reconhecimento e difusão

“A Casa Vincular trabalha diariamente com pessoas que perderam a esperança e nos procuram para comer, tomar banho, serem escutadas”, explicou Gabriel. O restaurante se mantém com o trabalho de voluntários – que não precisam necessariamente fazer parte da Comunidade dos Viventes – e com doações de pessoas e empresas.

Segundo ele, o objetivo não é apenas alimentar as pessoas. “Isso é importantíssimo, mas muitos outros trabalhos talvez até atinjam mais pessoas. Nosso objetivo é, além disso, criar vínculo entre nós e aqueles que ajudamos, construindo pontes entre realidades que muitas vezes não se encontram.”

Em 2016, o projeto ganhou menção honrosa da Organização das Nações Unidas (ONU), através do Vatican Youth Symposium, em Roma. No ano seguinte, Gabriel foi convidado a falar sobre a iniciativa no mesmo encontro. Na plateia, entre os ouvintes, estava o papa Francisco.

Um mês depois da primeira ação em Recife, uma comunidade de Maceió organizou atividade semelhante. Ali, apesar de não ter local fixo como a Casa Vincular de Recife, o projeto acontece regularmente e está aberto a quem quiser participar. É o que garante Claudiana Farias, 26 anos, responsável geral do Projeto Vincular em Maceió.

“O que me motiva é olhar para o lado e ver que estou rodeada de outros voluntários que estão ali inteiramente dispostos, desprendidos da vergonha, da timidez, para viver pelo outro”, relata Claudiana. Além da distribuição de alimentos, o grupo também organiza atividades voltadas à educação e saúde em abrigos e instituições da cidade.

A cada dia, uma surpresa

Em Petrolina (PE), cidade na divisa com a Bahia, não é diferente. As atividades acontecem a cada duas semanas e costumam atender 40 pessoas em média. Lidianne Moraes, de 31 anos, é membro ativa da Comunidade dos Viventes do local e confirma que o prato de comida é só a porta de entrada para relacionamentos fraternos.

“Procuramos saber o nome, a história e muitas vezes a nossa atuação se transforma em uma ajuda para retirar documentos, conseguir dinheiro para comprar passagem de volta para casa, ou conseguir vaga em alguma clínica de tratamento de álcool e drogas”, conta.

Já Gabriel garante: “Todos os dias acontecem fatos que nos marcam. Homens que deixam de roubar porque podem comer na Casa, pessoas expulsas da própria residência por causa do tráfico de drogas que são acolhidas para um banho etc.”. Além de Recife, Maceió e Petrolina, existem ações do Projeto Vincular nas cidades de Palmares (PE) e Mogi das Cruzes (SP).

Para quem acredita que a juventude está perdida e sem grandes ideias, Gabriel responde que a atual geração é complexa e, como tal, não pode ser entendida facilmente. “Quando o jovem descobre o sentido da sua vida, ele se dispõe a tudo. A tudo! É bonito ver que alguns podem demorar, se perder ou até errar. Porém quando enxergam de verdade aquilo que vale, lançam-se sem reservas. Por isso, a minha geração parece hibernar. Mas ela está apenas esperando que eu e você a acordemos”.

Ficou curioso?

• Para saber mais sobre o projeto basta acessar os sites: projetovincular.com.br ou casavincular.com.br

• É possível, também, acompanhar as atividades através do Instagram @projetovincular ou da página facebook.com/ProjetoVincular

• Gabriel Marquim também compartilha o fruto de suas inspirações noturnas no perfil do Instagram @demadrugada. O “De Madrugada”, inclusive, já virou livro publicado pela Editora Cidade Nova.

• Uma das primeiras a aderir o sonho de “amar até o fim”, típico da Comunidade dos Viventes, foi Clarice Freire. Ela é publicitária e está por trás do @podelua, perfil do Instagram dedicado a poesias desenhadas com nanquim.

Gustavo Monteiro

(Esta matéria foi originalmente publicada na edição de julho de 2018 da revista Cidade Nova)

Crédito: Mói de Foto e acervo Projeto Vincular

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